Um dos gêneros mais questionados nos últimos anos é o Storytelling, que são os jogos focados na narrativa, e que já teve a Telltale Games como uma das suas principais referências. Por decisões corporativas, a Telltale sucumbiu, e nesse meio-tempo uma outra empresa vem se destacando, e se trata da francesa Dontnod Entertainment. O estúdio busca retratar temas do nosso cotidiano em suas grandes histórias, e recentemente lançou um novo projeto chamado Twin Mirror, que pretende trazer um diferencial para esse tipo de jogo.
Com uma trama interessante, e algumas novidades, Twin Mirror saiu da zona de conforto da empresa ao misturar o gameplay de história com algo mais investigativo. Será que a Dontnod conseguiu se reinventar, ou só é mais do mesmo?
UMA HISTÓRIA CANSATIVA
Twin Mirror sofre de um grande problema de personalidade, pois mesmo que a Dontnod Entertainment queira sair da sua zona de conforto, ela não se desgarra de uma narrativa mais arrastada. Algo que poderia ser incrível, as vezes é quebrado por querer desenvolver demais os personagens. Claro, que é muito interessante saber o passado de cada um deles, com suas histórias, medos e anseios, mas segurar a história demais é algo que não faz bem para o jogador, que muitas vezes só quer avançar na trama e descobrir mais de seus mistérios.
O jogo leva cerca de 6 horas para ser terminado, podendo aumentar para 10 horas caso o jogador queira completar os colecionáveis. Algo que acho louvável, é que ele chega de forma completa, pois eu acredito que o formato de episódios quebra ainda mais a trama.
A história acompanha Sam, que volta para sua cidade natal de Basswood logo após o seu amigo Nick morrer em um suposto acidente de carro. Sam tem assuntos inacabados por lá, e portanto seu retorno não seria a melhor opção, mas com o ocorrido, ele é forçado a voltar a um lugar que já não é mais o mesmo. Nada é o que parece, e ele deve desvendar um mistério maior do que ele poderia imaginar, com pistas que circulam em cada canto da cidade. Mas a verdade é o melhor para Sam? Somente o jogador pode decidir.
Alguns personagens secundários ganham força com o passar do tempo, e outros são muito desperdiçados, o que revela que faltou um pouco mais de ousadia para desenrolar da história. Algumas sequências são mais interessantes nos flashbacks do que em tempo real, algo que também fez falta para dar mais ação ao jogo.
Ainda assim, a trama tem um caminho interessante, com pontos de virada e grandes surpresas para o jogador, que ficará curioso até os minutos finais para descobrir o que vai acontecer.
O ESPELHO
Sam sofre com uma problema de dupla personalidade, onde seu eu gêmeo lhe oferece conselhos sobre as questões pessoais e problemas do cotidiano. Essas dúvidas rondam o jogador a todo momento, e devemos julgar o que precisamos fazer, pois nem sempre o que seu outro lado aconselha seria o certo ou o errado. Como por exemplo, contar a verdade ou não confiar em determinado personagem. Essas escolhas afetam o jogo continuamente.
Lutar contra você mesmo pode parecer clichê, mas em Twin Mirror isso faz total sentido, e parte da jornada do personagem vai de encontro com essa questão. Sam possui muitos conflitos, que refletem em outros personagens, que são afetados por seu comportamento. Então haja com cautela, pois as consequências são reais.
INVESTIGUE O PASSADO E DESCUBRA O PRESENTE
Um dos pontos mais interessantes do jogo é a sua maneira para resolver cenas de crime ou situações de alto risco. Sam entra em um estado de pensamento, no qual ele pode analisar todas as possibilidades, e montar várias soluções para o seu problema. O único defeito é que somente uma resolução é a correta, tirando um pouco da surpresa, caso o jogador queira jogar mais uma vez.
Além de investigar as cenas de crime através de flashbacks, também podemos resolver alguns puzzles que são bem interessantes, e que forçam o jogador a usar a lógica e memorização. Você precisa vasculhar cada canto do cenário para encontrar pistas e montar o ocorrido. Os comandos são bem simples, e em poucos minutos você já terá dominado cada um deles.
O PALÁCIO MENTAL
Outro ponto interessante para a narrativa é o misterioso Palácio Mental, no qual Sam consegue reunir alguns flashbacks, sendo algo que representa a cabeça fragmentada do personagem, e onde algumas memórias estão armazenadas.
Além de revisitar algumas memórias durante a narrativa, em momentos de maior tensão o jogo cria um ambiente meio sobrenatural, onde Sam precisa trilhar um caminho e se focar na realidade. Algo parecido com o que Max Payne fazia. Esses trechos são bem interessantes, mas eu queria ver mais partes desse tipo de ambiente. Talvez em uma sequência, quem sabe.
A CIDADE DE BASSWOOD
Como uma pequena cidade pode esconder tantos segredos? Uma típica cidade de interior dos Estados Unidos, cujos moradores são bem pacatos, mas que escondem alguns segredos bem sujos. Mas nem só de escuridão vive a cidade, e encontramos alguns personagens bem interessantes, que possuem um passado que se cruza com o de Sam, garantindo momentos de felicidade e alguns de tristeza.
Com uma arquitetura bem pitoresca, a cidade foi criada com palhetas bem escuras e que revelam o seu passado, como a famosa mina de carvão que era o principal meio de renda de seus moradores. Além disso, o comércio local mostra toda aquela vida bem pacata, além de revelar que alguns moradores estão bem de saco cheio daquele lugar.
A cidade traz alguns cenários bonitos, com um grande contraste de cores, faltando um modo fotografia para registrar alguns desses belos momentos.
SOM E GRÁFICOS
A Dontnod Entertainment evoluiu seu aspecto tecnico entregando gráficos mais realistas e expressões faciais mais interessantes. Comparando com Life is Strange, que era mais cartunesco, aqui temos algo que traz mais impacto visual para o jogador.
O som é espetacular, com uma trilha que traz emoção ao jogador, sendo algo que a empresa já sabe fazer muito bem. Mas ainda falta uma dublagem para o nosso idioma. Twin Mirror possui legendas em Português do Brasil, algo que ajuda no entendimento de várias subtramas e na resolução de enigmas.
OPINIÃO
Twin Mirror possui uma trama muito inteligente, mas que peca em ser arrastada demais. Um mal que a Dontnod não consegue abandonar. Para desenvolver bem seus personagens, o estúdio acaba impondo um ritmo muito cadenciado.
O Palácio Mental e as sequências de investigações são o ponto forte do jogo, com múltiplos pontos de vista de uma determinada situação. Sinto que o Palácio Mental poderia ter sido mais utilizado, com sequências ainda mais intensas.
A parte técnica do estúdio melhorou bastante desde os seus últimos projetos, logo a expectativa para o que pode acontecer na nova geração está bem interessante. As legendas e menus em Português do Brasil ajudam no entendimento da história, mas falta a dublagem que já passou da hora de ser incluída, assim como um modo fotografia.
Recomendo essa obra para quem curte esse tipo de gênero mais investigativo, e gosta das obras da desenvolvedora, que mostrou maturidade ao tentar sair da sua zona de conforto.