Depois de apresentar o universo de Vampire: The Masquerade com o Visual Novel Coteries of New York (Confira nossa análise), chegou a vez do estúdio Draw Distance continuar explorando esse mundo, mas de uma forma totalmente independente, focando em um conto mais pessoal e único. Shadows of New York também se trata de um Visual Novel, e mesmo que seja inspirado no mesmo mundo de Coteries, ele traz uma trama totalmente autônoma, não sendo necessário jogar o primeiro para entender o que se passa nesse novo.
Shadows of New York traz uma narrativa imersiva sobre o mundo dos vampiros, com um toque ainda mais sobrenatural, por causa das habilidades sombrias do clã Lasombra. Ainda temos tramas políticas interessantes, mostrando que sempre existe um motivo escondido por trás de cada ação dessa sociedade de vampiros.
História
Em Coteries você pode jogar com até três personagens de clãs diferentes, cada um com suas próprias características e personalidades. Já em Shadows você sempre estará no controle de Julia Sowinski, um membro do infame clã Lasombra. Quando li sobre isso fiquei preocupada, pois temia que o jogo pudesse perder profundidade por focar em apenas um ponto de vista, mas é exatamente o contrário, pois com o foco em apenas um personagem principal, a Draw Distance conseguiu trazer ainda mais detalhes narrativos e imersão para a história.
Julia acabou de ser inserida na Camarilla, a famosa organização de vampiros, mas como membro dos Lasombra isso é ainda mais intrigante, já que o clã era um dos maiores inimigos da organização que você acaba de entrar. Qual o motivo de te aceitarem agora? Seria boa vontade, ou uma armadilha prepara especialmente para você? Você ainda não sabe, mas vai entendendo melhor o que pode estar por trás disso tudo no decorrer da história. Além disso, a Camarilla decide usar suas qualidades de jornalista para buscar respostas sobre a misteriosa morte do líder anarquista de Nova York, e seu trabalho vai além de apenas desvendar esse mistério, mas também conhecer mais sobre toda essa estrutura na qual você acaba de ser inserida, e mostrar que seu clã pode receber a confiança dos demais.
Julia é uma ninguém, e ela está buscando entender seu lugar nesse novo mundo, assim como também precisa entender melhor como seus poderes funcionam. Como alguém dos Lasombra, ela pode se comunicar com aqueles que habitam o Outro Lado. Mas o que é esse lugar sombrio, e o que são esses seres e suas vozes distorcidas que surgem das sombras? São temas que são desenvolvidos durante a progressão, e que podem se expandir de forma mais ampla, ou não, de acordo com suas escolhas nos diálogos, bem como suas escolhas de quais personagens quer conhecer.
Vampire: The Masquerade – Shadows of New York é totalmente centralizado nas escolhas do jogador, e como um Visual Novel, você tem muitos textos e diálogos para ler antes de tomar uma decisão, que pode definir de forma dramática o seu futuro. Existem personagens fixos, que você sempre irá encontrar durante a história, pois eles são cruciais para o desenrolar de alguns acontecimentos. Também existem trechos onde devemos escolher um personagem para conhecer, o que pode fazer com que os outros nunca cruzem o seu caminho, te privando de mais conhecimento daquele mundo, mas que também aumenta o fator replay do título.
Falando em fator replay, além desses personagens opcionais, Shadows of New York também possui dois finais, um caracterizado como bom e o outro como ruim. Chegar neles depende do seu resultado nas investigações e em como você abordou as situações, trazendo o novo sistema de Traits (características) que são acumuladas durante a história. Isso influencia a personalidade de Julia de forma permanente, pois isso tem impacto direto na forma como ela vê as situações e as outras pessoas, lhe direcionando para decisões que nem sempre podem dar resultados muito positivos.
O mais divertido é que apenas um gameplay não é o suficiente para ver tudo o que o jogo tem a oferecer, e você irá se sentir curioso e incentivado a buscar mais daquele mundo.
No geral, a história se desenvolve bem e consegue envolver o jogador com sua atmosfera de mistério e manipulação, onde nunca sabemos quem realmente está do lado de Julia, e que realmente quer ajudá-la. Os personagens são densos e cheios de camadas, o que nos incentiva a conhecê-los mais.
Como alguém que jogou Coteries, senti falta de ver mais coisas daquele jogo tendo impacto aqui, mesmo Shadows sendo um título independente. Mas ver acontecimentos do outro jogo sendo citados aqui, mas sem muita profundidade, me frustrou um pouco. No entanto, o trabalho de abraçar veteranos e novatos foi muito bem realizado, visto que os temas e termos são muito bem explicados, mas de forma dinâmica, de forma a abraçar quem está chegando agora, mas sem entediar os veteranos.
Jogabilidade
Vampire: The Masquerade – Shadows of New York se trata de um Visual Novel então se prepare para ler muitos textos e diálogos, para então realizar as suas escolhas. Todo o gameplay gira em torno dessa mecânica. Como disse acima, suas decisões irão te fazer encontrar ou não pessoas, assim com direcionar seu personagem para um final bom ou ruim.
Mas essas escolhas importam realmente para o final? A resposta é sim! Em Coteries, a Draw Distance trouxe diversos personagens, mas que no final das contas isso só trouxe impacto para a forma como seria nossa interação com os outros, bem como as opções de diálogo que surgiam. No entanto, o impacto no final era bem mínimo, visto que a grande diferença era quem estaria nesse encerramento ou não. Em Shadows, por se tratar de apenas um personagem, o estúdio conseguiu trazer peso para as decisões que o jogador precisa tomar, levando para dois finais bem diferentes e que realmente mostram o peso das nossas atitudes. Uma grande evolução para a estrutura narrativa da série.
Ainda assim, senti a falta da adição de mais caminhos, baseados em nossas escolhas, até chegar nesse destino final. Uma ramificação que poderia ter deixado a trama ainda mais complexa.
Os sistemas de gameplay foram modificados, com a adição dos Traits que falamos acima, e a retirada da Alimentação. Essa última era parte importante da jogabilidade de Coteries, e que poderia levar ao fim do jogo, caso seu personagem não sugasse sangue periodicamente. A retirada do sistema trouxe menos tensão para o jogador, que não precisa mais se preocupar com a sua fome e em como ela afeta suas interações com outras pessoas, e agora pode se focar mais na narrativa em si. No entanto, isso também tira um pouco da experiência de estar na pele de um vampiro, com suas próprias necessidades únicas. A opção de se alimentar ainda existe, mas sem impacto direto no gameplay. Também foram mantidas as disciplinas do clã, e você pode usar de suas habilidades de Dominação e Potência para passar por algumas situações. Um deleite para os fãs do universo de Vampiro: A Máscara.
Ao todo, o jogo se passa ao longo de 9 noites, onde a duração total pode variar entre 4 a 6 horas dependendo da sua velocidade de leitura. Cada noite funciona como rodadas de jogo, algo bem familiar para quem curte jogos de mesa.
Por fim, o título possui um vocabulário com os termos únicos no mundo de Vampiro: A Máscara, para que você possa consultar caso se esqueça o que significam, algo que facilita muito o entendimento de alguns textos. Além disso, também é possível consultar o que já aconteceu na história, o que também é uma ajuda gigante antes de tomar algum tipo de decisão muito importante.
Jogabilidade e história se misturam de forma natural, o que ajuda a trazer uma imersão ainda maior para o jogador, que realmente consegue se sentir dentro daquele mundo cheio de nuances, onde nada pode ser exatamente o que parece. Você se sente desconfiado o tempo todo sobre as intenções daqueles ao seu redor, mostrando que a Draw Distance acertou ainda mais o ponto, para uma bela mistura de narrativa e mecânicas de escolhas mais profundas.
Gráficos e Som
De nada adianta, uma grande narrativa e um bom sistema de escolhas, se a ambientação do jogo não te levar para dentro daquele mundo proposto, e te fazer parte dele. Os desenvolvedores sabiam disso, e fizeram um trabalho primoroso nos cenários e personagens, desenhados a mão, tornando tudo cheio de vida. São novos personagens cheios de carisma e atitude, além de velhos conhecidos com uma nova roupagem. A adição de cenários animados traz ainda mais dinamismo para o Visual Novel, que geralmente é um estilo mais parado por causa do foco em seus textos e diálogos. Um novo aspecto muito bem-vindo para série.
O trabalho de recriação da cidade de Nova York dentro do mundo de Vampire: The Masquerade foi meticuloso e bem sucedido, pois traz todos os aspectos tradicionais do que se conhece da icônica cidade que nunca dorme, mas com os toques autênticos do universo de World of Darkness. Impossível não se sentir imerso nesse mundo.
A trilha sonora é original e foi composta pela talentosa Resina, que fez um belíssimo trabalho em trazer a alma de Shadows of New York em cada canção, deixando a atmosfera mais densa ou leve, de acordo com o que vemos na tela, embalando perfeitamente cada acontecimento.
Infelizmente, assim como Coteries, Shadows também não possui legendas em português, o que torna impossível o aproveitamento do jogo por quem não tem boas noções de inglês. A boa notícia é quem ambos os jogos receberão essa atualização até o final do ano, quando nosso idioma será adicionado.
Opinião
Vampire: The Masquerade – Shadows of New York marca uma grande evolução no mundo desenvolvido pela Draw Distance. O estúdio manteve a trama densa e as escolhas difíceis, mas trouxe mais camadas para os personagens e suas histórias, o que traz desdobramentos realmente importantes para casa decisão que tomamos. Os cenários também estão belíssimos, e aliados com a profunda trilha sonora, oferecem um conjunto incrível de imersão. Faltou a localização em português, mas é bom saber que ela está a caminho.
Pelo lado negativo, apesar da escolha de apenas um caminho narrativo, focado na protagonista Julia, ter dado mais profundidade para a trama, a falta de mais caminhos que se abrem com suas escolhas pode ser sentida, mesmo com dois finais bem diferentes. A diminuição de elementos de gameplay, como a retirada da Alimentação, também pesa contra, pois tira o sentimento de urgência, deixando a caminhada menos complexa.
Ainda assim, se estúdio manter essa crescente, eu já mal posso esperar por um próximo jogo da série, e quais temas e personagens do mundo de Vampiro: A Máscara serão desenvolvidos com tamanho cuidado e meticulosidade.